Artigo: “Dez mitos sobre a alimentação infantil”
Muito se diz sobre o que devem - e o que não devem! - as crianças comer. Mas, quantas vezes tudo não passa de ideias feitas e erradas?
A alimentação das crianças ocupa um lugar muito importante no dia-a-dia de todos os pais e mães. Mas não é tarefa fácil, a de ensinar hábitos alimentares correctos e saudáveis. Ex ige algum conhecimento, força de vontade, persistência e muito carinho. E esta tarefa é ainda complicada pelas mil opiniões que circulam sobre o que se deve e não deve dar de comer, quais os hábitos mais saudáveis, quais as regras mais importantes. «Aos meus filhos faço assim...» ou «No meu tempo era assado...» são frases que, apesar de muito bem intencionadas, muitas vezes complicam a vida aos pais. E se a avó diz «está tão magrinho...» parece que o mundo desaba e que está a passar aos pais um atestado de incompetência.
A alimentação das crianças obedece a regras muito simples e a uma quantidade enorme de bom senso. Apesar disto, existem ainda muitos boatos e mitos sobre alguns aspectos da alimentação das crianças.
1º Mito: A ceia é fundamental
Errado. No bebé mais pequeno, que come de três em três ou de quatro em quatro horas, não podemos falar de ceia. Após o nascimento, a criança demora alguns meses até adquirir um horário de refeições semelhante ao dos adultos. Mas, a partir dos seis meses, a ceia pode ser dispensada. Não quer dizer que seja proibida, apenas que só deve ser dada se a criança a pedir e que esta não deve ser acordada de propósito para que possa beber um leitinho. Este esquema pode manter-se até cerca de um ano de idade. Nessa altura, já a criança come de tudo, com refeições completas. Os seus dentes estão na fase de erupção mais acelerada e devem ser cuidados com carinho, o que inclui a escovagem de manhã e à noite, antes de ir para a cama. Por esta altura, o mais correcto é abolir a ceia. A partir dos doze meses de idade, o leite à noite pouco acrescenta em termos de calorias. O que a criança deixa de ingerir à noite acaba por compensar durante o dia. E o leite à noite fica na superfície dos dentes acabando por facilitar o aparecimento de cáries. Em resumo, a partir dos doze meses, a ceia, não sendo proibida, pode ser evitada.
2º Mito: A cenoura deve ser a base de todas as sopas
Errado. A cenoura é conhecida por ser de paladar saboroso e de fácil digestão. Por isso, é muitas vezes aconselhada como primeiro legume, a par da batata. Para além disso, é rica em vitamina A, que é fundamental para o desenvolvimento da visão - quem não ouviu já que «a cenoura faz os olhos bonitos»? Mas, após as primeiras sopas, nada justifica que a cenoura tenha uma presença obrigatória nas refeições da criança. Pode ser substituída por outro legume, nomeadamente a abóbora, como base da sopa. Para além disso, o excesso de cenoura leva a que algumas crianças acumulem na pele o pigmento alaranjado, ficando com o nariz e zona em torno da boca da cor da cenoura.
3º Mito: A criança deve manter sempre o mesmo esquema de alimentos
Errado. A preocupação dos pais deve ser a de oferecer à criança alimentos diversificados e de boa qualidade, e não a de manter um esquema alimentar monótono, em que a criança come sempre a mesma coisa. A criança deve ser estimulada a experimentar, pois a curiosidade é fundamental na nossa vida. «E se ela não quiser experimentar?», perguntam-me alguns pais. Nesses casos, a regra número um é não fazer da hora da refeição uma guerra. A criança deve ser educada de forma a provar de tudo e a ter liberdade para depois dizer que não gosta. O que não pode é recusar-se a experimentar um alimento novo que lhe surge à frente. A função dos pais é levarem-na a provar o novo mantimento e depois respeitarem a sua vontade.
4º Mito: A educação faz-se falando com a criança
Errado. A educação faz-se pelo exemplo. Nunca observei uma criança com hábitos alimentares saudáveis quando os seus pais não os têm. A criança aprende observando, imitando aqueles que admira. Como pode uma mãe dar salada a um filho, se o pai, sentado na cadeira ao lado, recusa igualmente comê-la? Com que autoridade pode um pai dizer à criança que deve comer uma peça de fruta, quando a mãe diz ao mesmo tempo que nessa refeição não vai comer nada de sobremesa? É importante que as regras sejam ensinadas, mas é mais importante ainda que as regras sejam praticadas por todos os que convivem com a criança. Não existe outra forma de educar. E isto é válido não apenas para a alimentação, mas para muitos outros aspectos da educação infantil.
5º Mito: Os gelados são guloseimas
Nem todos. Existem gelados de água e gelados de leite. É verdade que os primeiros são verdadeiras guloseimas, feitas com água, um aroma e açúcar. Mas os gelados de leite têm habitualmente grande qualidade e fornecem à criança uma quantidade de cálcio apreciável. Nos dias mais quentes, substituir o leite ou sumo do lanche por um gelado de leite ou nata não tem qualquer inconveniente. E pode até servir para quebrar a rotina da criança.
6º Mito: A maioria das crianças obesas não vão tornar-se adultos obesos
Errado. Os estudos científicos mais recentes mostram exactamente o contrário: cerca de 70% das crianças obesas vêm a ser adultos obesos. Muitos pais não têm consciência (ou preferem não pensar nisso), mas a verdade é que existe uma relação muito grande entre a obesidade infantil e a obesidade em adulto. E um adulto obeso é um adulto com maior tendência para sofrer de hipertensão, enfarte do coração e tromboses cerebrais. Por estas razões, não percebo por que muitos pais e mães encolhem os ombros quando o seu filho de seis ou sete anos tem um peso que ultrapassa todas as curvas de percentis. Pensam que, com a adolescência, tudo voltará ao normal. Mas, como já vimos, na maioria dos casos não é assim. Deve ser preocupação dos pais que as crianças tenham um peso adequado ao longo de toda a sua vida. Se necessário, com a ajuda do pediatra ou, nos casos mais renitentes, de um dietista.
7º Mito: As papas devem ser evitadas porque engordam
Errado. A papa láctea representa um alimento privilegiado para fazer a transição entre uma alimentação exclusivamente à base de leite, como é aquela até aos quatro a seis meses, e uma alimentação em que, para além do leite, entram outros alimentos. Por esta razão, é muitas vezes o primeiro alimento que os bebés tomam quando iniciam a diversificação alimentar. Tem a vanta gem de ainda ter leite, mas possuir já uma nova consistência, servindo de passaporte para a introdução do puré de legumes.
8º Mito: As crianças não podem comer entre as refeições
Errado. A preocupação dos pais deve ser a de manter alguma rotina em relação às principais refeições: pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar. Nestas refeições, as crianças devem comer a horas certas e os alimentos certos com leite ou derivados ao pequeno-almoço e lanche e carne ou peixe ao almoço e jantar. Não existe qualquer inconveniente em que a criança coma um pequeno snack a meio da manhã ou a meio da tarde. O que está errado é a criança comer um grande snack que vai substituir a refeição principal que se segue. Da mesma forma, é importante que essa mini-refeição seja à base de leite, sumo ou cereais e está errado que esse snack seja constituído por guloseimas, como tantas vezes acontece. Desde que aquilo que a criança come a meio da manhã ou da tarde seja correcto, nas quantidades correctas e com qualidade, nada impede que tal possa acontecer.
9º Mito: A criança deve comer tudo passado enquanto não tiver dentes
Errado. Os dentes começam a surgir por volta dos seis meses. Mas podem surgir antes, ou mesmo alguns meses depois. Muitas crianças têm o seu primeiro dente aos nove, doze ou mesmo quinze meses, sem que isso represente necessariamente um problema. Por outro lado, a partir dos seis meses, a criança pode começar a comer alguns alimentos para além do leite, papas ou purés, como pedaços de pão, bolachas ou pedacinhos de banana. Para estes ali mentos, de mastigação fácil, a criança utiliza as gengivas, não os dentes. Os dentes anteriores, que são os que surgem primeiro, servem principalmente para rasgar, não para mastigar. Não faz por isso qualquer sentido que a criança não possa comer pedaços de alimentos enquanto não tiver dentes.
10º Mito: Todas as crianças deveriam tomar suplementos de vitaminas
Errado. O único suplemento que uma criança saudável necessita é o da vitamina D durante o primeiro ano de vida para facilitar o seu crescimento e a constituição de ossos fortes e resistentes. Após os doze meses, se a criança tem um regime alimentar sadio e equilibrado, não necessita de qualquer suplemento. Uma criança que tenha hábitos alimentares adequados consegue retirar dos alimentos as quantidades de que necessita de todas as vitaminas.
Texto: Paulo Oom Fonte: http ://www.paisefilhos.pt/